SOMBRAS ELÉTRICAS Nº 10 - Maio de 2012
VER COM OLHOS LIVRES
AS ÚLTIMAS FALAS – Dois textos curtos (e, talvez, grossos) de Carlos Reichenbach
Carlos Reichenbach (1945-2012)
CARTA DE PRINCÍPIOS DE UM CINEASTA CINÉFILO
(por inspiração de Bazin, Valcroze, Godard, Sganzerla e Jairo Ferreira)
Com Orson Welles aprendi a amar o teatro e a não separar a política do crime.
Com Eisenstein, aprendi a entender a fé em Lênin.
Com Vigo, a alegria inocente da anarquia.
Com Cocteau, a poesia dos sonhos.
Com Renoir, as estradas de ferro.
Com Mizoguchi, os rios e os barcos à deriva.
Com Fuller e Nicholas Ray, o cinema do corpo.
Com Dreyer, o cinema da alma.
Com Zurlini, o cinema dos sentimentos triviais.
Com Mankiewicz, a direção de atores.
Com Howard Hawks, a exuberância da aventura e a lente sempre na altura do olho do diretor.
Com Shohei Imamura, o mundo enxergado pela “casta do umbigo” e a dramaturgia insurreta.
Com Don Siegel, o cinema físico.
Com Martin Scorsese, o amor irrestrito à sintaxe do cinema.
Com Brian de Palma, a dilatação do tempo, os travellings circulares e a ousadia.
Com Cronenberg, as metamorfoses, o estranhamento e a “operar a síntese da loucura” (proposta por Murilo Mendes).
Com Edward Ludwig, a violência dos closes à altura do pescoço.
Com Claude Chabrol, a dissimulação das pequenas vilanias.
Com kaneto Shindo e Kon Ichikawa, a decrepitude do sexo sem prazer.
Com William Friedkin, o “batimento” da câmera ágil e a energia do “close-quarter”.
Com Fritz Lang, o inexorável e as curvas sinuosas do destino.
Com Paul Schrader, a face irresistível e áspera do pecado.
Com Hitchcock, a ênfase na cumplicidade do espectador e a genealogia da emoção genuína.
Com Ray Nazarro, Norman Foster, Riccardo Freda e Roger Corman, a filmar na escola do BBB: Bom, Bonito e Barato.
Com Godard, a exercitar permanentemente a reinvenção do cinema.
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Agradeço a Luís Sérgio Person.
10 COISAS PARA FAZER ANTES DE MORRER:
1. Levar os futuros netos para assistirem alguma matinê do "Grilo Feliz".
2. Refazer o trajeto poético e de encetamento de Murilo Mendes em plagas portuguesas, tal como foi descrito nas sublimes páginas de "Janelas Verdes".
3. Voltar para Pesaro (Itália) e adquirir (para o meu exíguo acervo) uma reprodução deslumbrante em pedra-sabão de um ícone de Andrei Rublev, ao custo de US$ 450, que "namorei" por seis dias, em 1994, durante o festival de cinema, amargando uma dramática "dureza" temporária.
4. Ir aos Estados Unidos exclusivamente para testemunhar um culto do reverendo Al Green (Let's Stay Together), um show -sempre essencial- de Brian Wilson e a eleição da Annual Burlesque Miss Coney Island Pageant (um dos poucos eventos do mundo que estimam a nudez feminina como arte). No quesito consumo, comprar um amplificador valvulado assinado por Danny Gatton (para o meu filho Luís) e todos o CDs remasterizados do assobiador Fred Lowery, da mítica cantora hebraica Bas Shiva e do pai do "space age music", o genial maestro Russ Garcia.
5. Mandar as safenas e o colesterol às favas, fatiar três ou quatro belas peças de picanha maturada e "derrubar" duas caixas de vinho português, casta Tintas Miúdas, na companhia de alguns amigos hedonistas e glutões, como Ivan Lins e Bruno de André.
6. Ir ao D'Orsay -e a todos os demais museus- onde se encontram as obras de Odilon Redon, na companhia do amigo e diretor de fotografia Jacob Solitrenick, para que possamos tentar descobrir o segredo dos cianos "iniciáticos" do maior de todos os pintores simbolistas.
7. Realizar os cinco longas-metragens restantes da série "ABC Clube Democrático", que foi iniciada com "Garotas do ABC" e que prossegue em 2005 com "Lucineide Falsa Loura"; voltar a Dois Córregos para filmar os quatro projetos de longa que ainda pretendo realizar nessa cidade e concretizar um antigo sonho de "produção em pacote" de filmes de baixo orçamento, a serem dirigidos por pessoas que admiro.
8. Me isolar nas nascentes do rio Tietê, em Dois Córregos, por dois anos, e colocar no papel meu ambicionado tríptico literário anarco-existencial.
9. No âmbito do êxtase quase religioso, estar presente -se possível, como jurado- nos prestigiosos festivais anuais de fogos de artifício de Mônaco, Valência, Malta e Tarragona. Acho que as artes (ou manifestações estéticas) que nos colocam mais perto de Deus são a música e a pirotecnia.
10. Na seara dos desejos (e sonhos) derradeiros (já que só os excessos conduzem à sabedoria): juntar todas as minhas economias, viajar para Istambul, tomar uma overdose de Viagra, Cialis e U-Prima, contratar quatro vestais turcas hiperprofissionais ("experts" em pompoarismo) e morrer de orgasmos exacerbados e intermitentes às margens do Bósforo.
© 2011 / 2012 – Carlos Oscar Reichenbach Filho
© 2012 – SOMBRAS ELÉTRICAS